terça-feira, 9 de agosto de 2016

Aceitar os pais

   
"Quando o filho se queixa aos pais: “Vocês não me deram o suficiente, ou deram-me a coisa errada, portanto continuam a dever-me”, não consegue separar-se deles. Estas demandas vinculam estas crianças aos pais de tal maneira que se tornam incapazes de se deixam receber algo. Se os filhos se deixam tomar os pais como são recebendo também as coisas boas, esse ato de receber anularia as suas exigências e faria com que elas parecessem tolas. Do contrário, eles permanecerão atados aos pais, não podendo nem receber nem afastar-se.
    Aceitar os pais tem um efeito estranho: a separação. Não se trata de um mal, mas de algo que completa e aperfeiçoa o relacionamento com eles. Aceitar os pais significa: “Reconheço tudo o que vocês me deram. Foi o suficiente. O de mais que eu precisar, ganharei por mim mesmo, de modo que agora vou deixa-los em paz.” Significa ainda: “Recebo o que ganhei e, se deixo meus pais, continuo possuindo-os em mim.”.

    Num grupo, um médico muito bem-sucedido perguntou: “Que devo fazer? Meus pais se metem nos meus assuntos o tempo todo.” Eu lhe disse: “Eles tem o direito de meter o bedelho na sua vida quando quiserem! E você tem o direito de ir em frente e fazer o que achar melhor para você mesmo.”.
Filhos que não aceitam os pais estão constantemente procurando compensar esse déficit. Frequentemente, a busca de auto compreensão e iluminação não passa da busca de um pai ou mãe que ainda não foi aceito. A procura de Deus às vezes cessa ou toma rumo diferente depois de se aceitar um pai ou mãe. Muitas pessoas têm descoberto que sua “crise de meia-idade” resolveu-se logo que conseguiram tomar um dos pais até aí rejeitado.

    Nossos pais nos dão a vida e são os únicos capazes de fazer isso. Outras pessoas talvez deem alguma coisa além disso. Estritamente falando, não recebemos a vida de nossos pais – ela nos vem de longe por intermédio deles. Os pais são a nossa conexão com a fonte de vida, com algo além das falhas que porventura tenham. Ligados a eles, encontramos essa fonte mais profunda, que encerra muitas surpresas e mistérios. Uma coisa bonita acontece quando as pessoas observam seus pais e reconhecem neles a doente da vida. O amor exige que quem recebe reverencie o dom e o doador. 

    Quem ama e honra a vida, implicitamente glorifica e ama quem a dispensa. Quem despreza ou desmerece a vida, não a respeitando, amesquinha os que as dão. Quando as pessoas recebem e reverenciam o dom e o doador, erguem bem alto o presente até que rebrilhe; e, embora esse presente passe por meio delas àqueles que seguem, o doador continua banhado em sua luz.

     Quando sentimos que nossos pais nos devem alguma coisa, temos a imagem do que possa ser. É a imagem do bom pai ou da boa mãe. Aceitar os pais significa reservar a essas imagens benignas um lugar em nossos corações e permitir que façam ali boas obras. Trata-se de uma opção aberta à maioria das pessoas, mesmo quando foram feridas pelos pais. Aceitar os pais não quer dizer negar as coisas negativas, mas permitir a nós mesmos tocar as profundezas de seus corações, lá onde sofrem amargamente ao ver os filhos às voltas com o mesmo padrão em que estiveram enredados. Quando as pessoas conseguem atingir as profundezas do coração doa pais, estão mudadas e mudam também os pais, por ressonância.


     Sem dúvida, que tudo é mais fácil quando nosso pai ou mãe realmente demonstra essa bondade, e a maioria deles de vez em quando o faz. Porém, temos a possibilidade de contemplar os pais à luz do contexto de seu destino. Percebemos seus fracassos, seus sofrimentos e decepções, entregamo-los a seu fado para que lidem com ele como melhor entenderem e reconhecemos o nosso lugar na hierarquia familiar. Para além disto, atingimos o mistério mais amplo da vida, que flui através de nós."

Extraído de A Simetria Oculta do Amor, por Bert Hellinger