sábado, 12 de agosto de 2017

OS LIMITES DA CONSCIÊNCIA DENTRO DAS CONSTELAÇÕES: PESSOAL, FAMILIAR E ESPIRITUAL


                
                Rupert Sheldrake, biólogo renomado, fez uma observação sobre os campos espirituais. Cada um de nós se movimenta dentro de um determinado campo. O primeiro campo é o da nossa família. A consciência nos diz o que temos que fazer para pertencer a este campo, se fizermos isso, temos consciência boa, tranquila, ou seja, teremos certeza que faremos parte. Porém, se me comporto de uma forma que pode colocar em risco este pertencer, sinto a consciência pesada e essa consciência nos força a mudar nosso comportamento de forma que possamos pertencer ao campo novamente.

                A natureza do nosso campo familiar é determinada pela história da nossa família: sua religião, suas crenças, país de origem, etc. Essa natureza é moldada por acontecimentos marcantes, como a história dos relacionamentos dos pais e dos avós, morte de uma criança muito nova, aborto, parto prematuro, adoção, suicídio, guerra, exílio forçado, troca de religião, incesto, antepassado agressor ou vítima, traição, ou mesmo a confiança. As ações generosas e altruístas de nossos pais e de nossos antepassados são saudáveis para nós, enquanto suas más ações modificam o campo familiar, obrigando as gerações posteriores a uma compensação.

                Para Hellinger, a consciência é o órgão de equilíbrio sistêmico que nos avisa sobre se o “movimento” (conduta, atitude, opinião) que estamos fazendo nos afasta ou não de nosso sistema, neste caso familiar. É como um sensor que nos sinaliza quando o direito de pertencer a um grupo corre perigo. Portanto, nesse contexto, a boa consciência significa apenas: “Posso estar seguro de que ainda pertenço ao meu grupo.” E a má consciência significa: “Receio não fazer mais parte do grupo. Assim, a consciência pouco tem a ver com leis e verdades universais, mas é relativa e varia de um grupo para outro”.

                Bert Hellinger aponta três campos espirituais de consciência: Consciência Pessoal, Consciência Coletiva e Consciência Espiritual. Cada qual com seu alcance, funcionamento e ordens.

                A Consciência Pessoal é regida pela dinâmica “culpa e inocência” permeando conceitos de moralidade, baseado no “certo e errado”, a qual está diretamente ligada a valores familiares e à educação recebida.  É estreita e tem seu alcance limitado. Pois, através de sua diferenciação entre bom e mau, só reconhece para alguns o direito de pertencer, excluindo os demais. Experimentamos a consciência pessoal como boa e má consciência. Sentimo-nos bem quando temos boa consciência e mal quando temos má consciência. Isso significa que ela cuida para que fiquemos conectados com essas pessoas e grupos. Ela assegura nossa sobrevivência.    

                Na Consciência Coletiva, a consciência deixa de ser pessoal e passa a estar ligada ao grupo. Aqui se faz presente um poder de atuação inconsciente, o poder da alma do grupo e apenas sentimos seus efeitos. Este poder cobra qualquer desrespeito para com o grupo, em relação às forças de vínculo, hierarquia e compensação (Ordens do Amor). É mais ampla, defendendo também os interesses daqueles que foram excluídos pela consciência pessoal.

                Contudo, a consciência coletiva também tem um limite porque abrange somente os membros dos grupos que são governados por ela. É uma consciência poderosa e seus efeitos são mais fortes do que os da consciência pessoal. Está a serviço da sobrevivência do grupo inteiro, mesmo que para isso alguns precisem ser sacrificados.  Nesta Consciência, o princípio da ordem é determinante e os membros que chegam por último aos sistemas são escolhidos pelos emaranhados sistêmicos. Assim, o membro familiar posterior que vive agora responde pelos membros anteriores, que já morreram. Na justiça da Consciência Coletiva, quem veio depois, está a serviço das forças do vínculo e pertencimento, independente da vontade e compreensão.

                Assim, “culpa e inocência” são dois lados da mesma moeda que se encontram a serviço das Ordens do Amor, em suas diferentes instâncias de consciências: pessoal, coletiva e espiritual. No vínculo, a culpa é experimentada como exclusão e distância, e a inocência como conforto e proximidade. Na ordem, a culpa é vivida como transgressão e medo de punição e a inocência como retidão e lealdade. No equilíbrio entre o dar e tomar das relações, a culpa é sentida como obrigação e a inocência como liberdade ou reivindicação.

                A Consciência Espiritual nos conduz para além dos limites. Supera as limitações das outras duas consciências, limitações estas que surgem através da diferenciação entre bom e mau e da diferenciação entre pertencimento e exclusão. Ela também estrutura a filosofia de Bert sobre a aceitação incondicional do outro e das coisas tal como são, se baseando no amor que tudo une, sem preconceitos, julgamentos ou controle.

                Aqui, reside o amor do espírito e o movimento do espírito, do qual Bert se refere. Para o amor do espírito não existe mais ou menos pertencimento, nenhum direito maior ou menor de pertencer, para ele, nada vai mais além do existir presente. O amor do espírito se mantém em movimento criador, presente em tudo. Percebemos nossa sintonia com este amor quando entramos em contato com o assentir à vida como é e a todos como são.

                O movimento do espírito é diferente do movimento da Consciência Pessoal, na qual culpa e inocência se encontram presentes. Nossa sintonia com a Consciência Espiritual é reconhecida quando nos encontramos na calma, centrados; e sentida quando estamos em paz. Ela gera leveza. Seguir esta consciência exige grande esforço espiritual, pois ela nos afasta da obediência aos ditames da nossa família, religião, cultura e identidade pessoal.

*Adpatado de textos de Bert Hellinger, Brigitte C. Ribes e Jacob Schneider

terça-feira, 4 de abril de 2017

O QUE FAZ O AMOR DAR CERTO (RELACIONAMENTO DE CASAL)


                “O relacionamento de casal é o que existe de mais importante. Todos nós viemos de uma relação de casal. Através dela a vida é passada adiante. Por isso, num relacionamento estamos conectados com aquilo que leva o mundo adiante e o dirige”. Bert Hellinger

 “Eu amo você e aquilo que nos guia”.  Bert Hellinger

EMARANHADOS SISTÊMICOS
               
                No seio da família existe uma profunda necessidade de justiça e compensação. A família e o grupo familiar se comportam como se tivessem uma alma comum. Essa alma vela para que exista na família um equilíbrio entre a perda e o ganho, equilíbrio este que abarca várias gerações. Por exemplo, se um homem se separou levianamente de sua primeira mulher, ferindo-a, e essa mulher tem raiva dele, ele talvez passe pela experiência de que a filha do seu segundo matrimônio fique com raiva e que tenha em relação a ele os mesmos sentimentos da mulher. A solução neste caso seria esse homem dizer à sua primeira mulher: “Fui injusto com você. Sinto muito. Reconheço tudo o que você me deu. Seu amor foi grande e o meu também e ele pode perdurar.” É importante dissolver o primeiro vínculo de modo positivo.

                Talvez as piores consequências para uma relação de casal resultem dos emaranhados de cada parceiro com seu grupo familiar. Isso acontece, sobretudo, quando um dos parceiros ou ambos, sem que o percebam, são tomados a serviço, como substitutos, para a solução de antigos conflitos dos respectivos grupos familiares. Por exemplo: Embora um homem e uma mulher se sentissem muito ligados, surgiam entre eles conflitos inexplicáveis. Certo dia, quando a mulher se postava furiosa diante do marido, um terapeuta observou que seu rosto mudava até assumir o aspecto de uma velha. E ela censurava o marido por coisas que nada tinham a ver com ele. O terapeuta perguntou: “Quem é essa velha?” Aí ela lembrou de que sua avó, que tinha um restaurante, fora muitas vezes arrastada pelos cabelos pelo avô no meio do salão, à vista de todos os fregueses. Então ficou claro que a raiva que ela sentia contra seu marido era a raiva reprimida que a avó sentira contra o avô.

          Muitas crises inexplicáveis do casamento nascem de uma transferência como essa. Tal processo, que é inconsciente, nos assusta, porque ficamos entregues a ele e não sabemos sua causa. Depois de saber de tais emaranhamentos tomamos mais cuidado quando nos sentimos tentados a ofender pessoas que não nos tenham dado motivo para isso.

             "Muito do que ocorre no relacionamento do casal e de seus filhos vem à luz nas constelações familiares. Nelas o homem ou a mulher escolhe, a partir de um grupo de participantes, representantes para membros de sua família e os coloca uns em relação aos outros dentro de um espaço. Os representantes, a partir do momento em que ocupam o seu lugar, sentem da mesma forma que as pessoas que estão representando. Isso ocorre sem que os representantes saibam algo sobre elas. Deste modo vem à luz uma relação, até então oculta, com um outro membro da família. Revela-se assim, que nas constelações familiares os representantes mergulham em algo que os conecta com as pessoas ausentes e não apenas na superfície, de forma externa, e sim dentro de um âmbito onde uma força que guia todos conjuntamente é experimentada. Eu chamo esta força de grande alma.” Bert Hellinger

               Quando a pessoa posiciona a família de uma forma centrada, ela o faz em conexão com essa grande alma. As constelações não apenas trazem à luz algo até então oculto, mas também indicam caminhos para a solução. O ponto decisivo das constelações é mostrar o caminho para a solução de um emaranhado e conduzir os atingidos a esse caminho. Porém a solução do emaranhado ocorre somente quando os atingidos se conectam com algo maior, isto é, quando abandonam conscientemente algo anterior e se abrem para algo novo, mesmo que isso a princípio cause medo. O conhecimento e a compreensão por si só não bastam. Necessita-se também uma força especial. A fonte desta força é, por um lado, a ligação com os pais e os ancestrais e, por outro, o ato de se inserir em algo maior. Portanto uma boa frase de solução, no caso dos casais é: “eu amo você com tudo aquilo que nos conduz."

DAR E TOMAR NA RELAÇÃO DE CASAL – uma lei sistêmica

                O adulto saudável consegue igualmente dar e tomar. Nas relações adultas é importante que cada pessoa possa, de algum modo, tomar da outra. Essa é a compensação mais importante. Não é preciso que ambas deem na mesma medida e sim que tomem na mesma medida. O ato de tomar reciprocamente é o mais difícil. Ele une mais profundamente, pois ambos estão na posição que necessitam.

               A maioria das pessoas dá na expectativa de receber. Como adultas, devemos dar sem esperar receber do outro algo que ele não pode nos dar. Em uma relação de casal cada um pode dar apenas o que o outro é capaz de receber e devolver. Se um der mais que o outro, a relação está arruinada. Essa atitude nos dá força para nos tornarmos pais ou mães. Nela o tomar se completa e começa a transmissão, o intercâmbio entre as gerações.

               O Equilíbrio: Logo que um recebe ou toma algo do outro, sente-se em dívida e então também dá algo, mas não apenas a mesma coisa ou na mesma medida. Por amar o outro ele dará um pouco mais. É o que acontece na relação de casal. Quando se ama dá-se um pouco mais, porém apenas um pouco, senão a coisa se torna novamente perigosa. O outro toma o que é dado e também se sente em dívida e, assim devolve algo ao outro. E novamente um pouco mais. Esses muitos “poucos” conduzem a plenitude na relação. A desvantagem é que quanto mais ambos se dão, mais difícil será a separação, pois esta troca entre o dar e tomar une. Por isso quem almeja certa independência, quem pensa que aquele parceiro talvez não seja a pessoa certa e que talvez exista algo diferente, ou melhor, deve apenas dar e tomar pouco. Assim mantém certa liberdade, uma liberdade de trocar de parceiro.

O QUE FAZ O AMOR DAR CERTO?

- A Grandeza da Sexualidade: Através da consumação do amor cria-se um vinculo profundo. Alguns pensam que a sexualidade é algo mau. Porém a sexualidade leva a vida adiante contra todos os obstáculos. Nesse sentido, a sexualidade é maior que o amor. Naturalmente, tem uma grandeza especial quando consumada com amor. Quando os parceiros se olham nos olhos ao se amar, isto é a realização de seu amor recíproco. O reconhecimento da grandeza do ato sexual é a principal condição para que o amor dê certo.

- Tomar o cônjuge e sua família: Assim como na dinâmica de tomar tudo que vem dos pais, também na relação de casal tomamos tudo o que vem do cônjuge. Este tomar principia com a sua família de origem, com sua leveza e seu pesar. Depois, o tomar se estende aos parceiros e filhos anteriores (no caso de ter filhos) do cônjuge. Muitas vezes ao iniciar um relacionamento com alguém que já tem filhos, ou já teve um casamento (uma família), algumas pessoas evitam tomar esta parte da história do cônjuge.

- Vínculo aos parceiros anteriores: Pertencem ao sistema familiar, todos os parceiros anteriores do cônjuge e também os seus parceiros anteriores. O novo cônjuge percebe, inconscientemente, o vínculo de seu cônjuge com seu/sua parceiro/a anterior e muitas vezes não ousa toma-lo completamente. Portanto, uma segunda relação só tem sucesso quando o vínculo aos parceiros anteriores é reconhecido e honrado tendo como precedência sobre o novo vínculo e quando os novos parceiros reconhecem e têm uma dívida com os parceiros anteriores. Portanto o vínculo da primeira relação é maior do que da segunda e assim por diante.

- Hierarquia X Dar e Tomar: Em um relacionamento de casal, ambos devem reconhecer-se como iguais! Qualquer tentativa de colocar-se diante do cônjuge numa atitude de superioridade, própria dos pais ou de dependência, característica da criança, restringe o fluxo de amor entre casal e coloca a relação em perigo.

- Renúncia da Família de Origem: As ordens de amor entre casal envolvem também uma renúncia que começa na infância. Pois o filho precisa renunciar a primeira mulher de sua vida: sua mãe; assim como a mulher precisa renunciar o seu pai. Por esta razão, o filho precisa passar cedo da esfera da mãe para a o pai. E a filha precisa retornar cedo da esfera do pai para a da mãe.

Exercício meditativo para Relacionamento de Casal, por Bert Hellinger

“Coloco-me diante de meu parceiro e olho primeiro para a direita, para os meus pais. Vivencio, mais uma vez, o processo de tomar o amor de meus pais. Meu parceiro está diante de mim. Por sua vez, ele também olha primeiro para a direita, para seus pais, c vivência de novo o processo de tomar o amor de seus pais. Depois de olhar para meus pais e também para meus ancestrais, olho para os pais do parceiro e para os seus ancestrais. Vejo tudo o que eles lhe deram, e como ele se enriqueceu com isso. De repente, algo muda em nossa relação, pois meu parceiro me aparece de uma outra maneira, e o amor de seus pais também se manifesta nele.
Ao mesmo tempo, vejo também o lado difícil que lhe pesou, o que lhe aconteceu. Vejo isso como algo que ele toma para si, como uma força, e o que parecia tão pesado permanece fora. O mesmo faço com o que é pesado para mim. Então nos olhamos de novo nos olhos. Eu lhe digo: sim. E ele me diz: sim. Ambos nos dizemos mutuamente que agora estamos prontos um para o outro.”
“Amar significa dizer a alguém: Sim eu amo você tal como você é. Mesmo que não corresponda aos meus sonhos e esperanças, o fato de você existir faz-me mais feliz do que meus sonhos.” Bert Hellinger


                      Referências Bibliográficas e Sugestões de Leitura

HELLINGER, Bert. Amor à Segunda Vista. Goiânia: Atman, 2009
HELLINGER, Bert. A Simetria Oculta do Amor. São Paulo: Cultrix, 2006
HELLINGER, Bert. Felicidad que Permanece. Barcelona: rigden Institut Gestalt, 2007
HELLINGER, Bert. O Amor do Espírito. Goiânia: Atman, 2009
HELLINGER, Bert. Para que o Amor dê Certo. São Paulo: Cultrix, 2001
RUPERT, Franz. Simbiose e Autonomia nos Relacionamentos. São Paulo: Cultrix, 2010








segunda-feira, 13 de março de 2017

UM NOVO OLHAR PARA A INFÂNCIA


           

     Poucas pessoas estabelecem a conexão entre seus pais e seus conflitos na vida adulta. Elas resistem em admitir que sua relação com seus pais e até sua infância exerce uma poderosa influência sobre sua vida.

   Para se tornar um adulto saudável, é preciso encerrar a própria infância. Em princípio, é possível encerrar a própria infância quando a criança interior dividida, e até carente, acolhe a si mesma. Quando suas necessidades infantis são aceitas, essas partes proporcionam à pessoa, como recompensa, também sua alegria de viver infantil original.

“A coisa mais valiosa que os filhos recebem dos pais – não importa quem estes sejam ou o que possam tem feito – é a oportunidade de viver”. Bert Hellinger


Criança Ferida e Criança Saudável


           Quando você era criança, sempre que valorizavam, apoiavam e confiavam em você, você conseguia passar pelo processo de aprendizado com mais probabilidades de êxito. Isso também o ajudou a construir uma boa imagem de si mesmo, que ficou impressa em sua memória celular, se tornou parte de sua mente e se converteu em sua criança interior saudável.

          Da mesma forma acontece com memórias de feridas ou lesões à dignidade e integridade quando se passa por algum tipo de abuso (ridicularização, negligência, humilhação, traição, bofetadas, abusos sexuais, etc.). Neste último caso, alguns mecanismos de defesa foram necessários para o equilíbrio e sobrevivência, mas que levam a bloqueios, a reduzir nossa capacidade de aprender novas formas de atuar e a gerar enfermidades. Esta é a criança ferida ou traumatizada.

              Algumas defesas mais comuns são: negação (isto não está realmente acontecendo), repressão (isso nunca aconteceu), dissociação (não me lembro do que aconteceu), projeção (está acontecendo com você e não comigo), conversão (como compulsivamente ou faço amor compulsivamente quando sinto que está acontecendo), minimização (ocorreu, mas não foi tão grave).

             Franz Ruppert, criador do trabalho de constelação de traumas psíquicos, diz que “em algumas pessoas existem três divisões da psique”. A Parte Traumatizada: que permanece presa aos traumas, aos medos e às dores da experiência traumática. A Parte de Sobrevivência: que procura afastar da consciência a terrível experiência, para sobreviver ao choque (aqui entram os mecanismos de defesa citados acima). A parte Saudável: que se desenvolveu de modo sadio até a experiência traumática, e que pode voltar a ser saudável.

         Quanto mais traumatizado está alguém, mais ele dirige suas atividades psíquicas para o exterior, porque o contato com o interior é doloroso demais. Aí existem sentimentos muito pesados de medo, raiva, tristeza ou vergonha, com as quais a pessoa não quer entrar em contato. Esta postura faz com que a pessoa se afaste cada vez mais de si e perca o contato com seu centro interior.

       Dentro de uma família, traumas continuam porque os pais traumatizados “deixam como herança” a seus filhos suas estruturas psíquicas traumatizadas. A forma como isso acontece ainda é alvo de diversas pesquisas. Muitas vezes é possível perceber emaranhados sistêmicos de traumas não integrados das gerações anteriores.  Por exemplo, quem passou por guerras: às vezes os descendentes demonstram medos parecidos com seus antecessores, como medo da morte ou de que faltarão suprimentos, carências, e outros.

          Ao olhar para a sua história e seus sentimentos, é possível descobrir a pessoa que realmente é e aprender a dar-lhe o que se necessita. Isso se estiver disposto a lidar emocionalmente com a verdade de sua infância, a abandonar a negação do sofrimento, a desenvolver empatia para com a criança que você era e também a compreender as razões de seus medos.

          Não importa quão ferido você foi durante a infância, sempre é possível curar a criança interior. Esta é uma maneira muito eficiente de se reconectar com seu verdadeiro Eu. À medida que as cisões internas provocadas pelos traumas vividos vão sendo integrados, se vive mais no aqui e agora. Somente no presente estamos no máximo de nossa força e no “adulto saudável”.  Bert Hellinger resume o “estar presente” com estas três palavras: força, concentração, ação.


Autonomia

                
           Autonomia derivado do grego, significa “ser para si a sua própria lei”. A verdadeira autonomia significa não precisar submeter-se a ninguém e ser capaz de seguir os próprios padrões internos.

     Há pessoas que, em decorrência de experiências desagradáveis no passado, não estão interiormente em condições de aproveitar as oportunidades que lhes são oferecidas para aumentar sua autonomia. Quem ainda sofre a dor de feridas antigas está aprisionado em si mesmo e não tem liberdade interior.

       A verdadeira autonomia consiste em poder dizer um “sim” incondicional a si mesmo e à realidade de sua própria vida e assumir a plena responsabilidade por ela, seja o que for que tenha acontecido.


O ASSENTIR, COMO LIBERAÇÃO E CURA DO PASSADO


   Bert Hellinger com as constelações familiares traz um conceito curador que é o “assentir”. O “assentir” pode-se traduzir em: “concordo que ele/isso seja exatamente como é”. Ao praticar este princípio na vida diária, tem-se a oportunidade de praticar a Ordem do Amor – Pertencimento, incluindo a tudo e a todos. Isso significa dizer, em outras palavras, que estou ressignificando minha história, dos meus ancestrais e seguindo em direção ao novo, ao meu destino e minha vida. Segue trecho de Bert a respeito desta postura.

            “Assentir a algo ou a alguém significa estar em “sintonia com”, e é uma experiência pessoal. A esta pessoa (ou situação) assentimos, independentemente se nos agrada, se nos dá algo ou nos tira, seja qual for sua exigência. Isso ou esta pessoa que eu assinto está a partir daí dentro de mim, faz parte do que eu sou. O assentimento exterior é consequência de um reconhecimento e um amor que previamente experimentei dentro de mim. Graças a este assentimento tanto eu quanto o outro nos enriquecemos e nos tornamos mais plenos.

             Assentimento quer dizer também, aceito o outro tal como é, sem restrições ou julgamentos. O que antes parecia estranho e ameaçador se transforma em uma parte minha que faltava. E isso acontece, sem o outro saber, a vibração do assentimento alcança a todos.  E como o assentimento produz este efeito? De onde vem esta força transformadora? Da sintonia com a fonte criadora, que move e pensa tudo como é, olhando a todos da mesma forma”.


MEDITAÇÃO PARA A CRIANÇA FERIDA – por Bert Hellinger

      Fechem os olhos e retornem à época onde causavam preocupações para seus pais ou adoeciam.          Olhem com amor para esta criança de deixem-se guiar por ela. Para onde esta criança olha? Para aquele no qual a família não está olhando. Dizemos à esta pessoa: “Olho para você com amor. Para mim você faz parte”.
     Então, talvez, olhamos para os nossos pais e dizemos a eles: “Estou olhando para alguém que amo. Por favor, olhem também comigo para lá”.
      E quem tiver filhos, talvez uma criança difícil, uma criança que os preocupa, que está doente, que tem acidentes. Olhem para o mesmo lugar que está criança está olhando – com amor.
     Talvez a criança esteja olhando para uma criança abortada ou para alguém que vocês rejeitam; para alguém que talvez tenha sido, em uma geração passada, vítima de um crime realizado por alguém da família, talvez crimes cometidos na guerra e a criança olha para isso. Ou então olha para alguém que a família rejeita, por se envergonhar. A criança olha para ele com amor, pois os outros se envergonham dele. Mas mesmo assim ele faz parte, assim como todos os outros.
     Agora olhamos para esta pessoa com amor, através do amor do espírito, que tomou todos a seu serviço, assim como são, sem distinção, pois os seus objetivos são mais amplos do que imaginamos. Vemos o efeito e o sentimos em nós. E sentimos como a criança talvez possa se acalmar, como se sente melhor.


Referências Bibliográficas e Sugestões de Leitura

BRADSHAW, John. Volta ao Lar. Rio de Janeiro: Rocco, 1995
HELLINGER, Bert. Mistica Cotidiana. Argentina: Alma Lepik, 2008
HELLINGER, Bert. As Ordens do Amor. São Paulo: Cultrix, 2001
MILLER, Alice. O Drama da Criança Bem Dotada. São Paulo: Summus, 1986
RUPERT, Franz. Simbiose e Autonomia nos Relacionamentos. São Paulo: Cultrix, 2010







domingo, 26 de fevereiro de 2017

Mãe, Pai, Filhos, a base da família

     O ser humano possui a necessidade de pertencer a um grupo. Ser considerado “diferente” ou “não fazer parte de um grupo” gera um sentimento angustiante que muitas vezes dá-se o nome de solidão. Sem entrar na semântica de “solidão”, mas sim a usando de forma meramente ilustrativa, a solidão faz com que o Ser humano, consciente ou inconscientemente se envolva em situações ou sentimentos que limitam o seu crescimento. Bert Hellinger desenvolveu um trabalho, conhecido hoje como Constelação Familiar, onde explica sobre esta necessidade de Pertencimento com uma visão filosófica a respeito da Vida.

      A constelação familiar tem sido utilizada como instrumento de cura para muitas pessoas. Embora o próprio Bert Hellinger afirme que não se trata de ferramenta, método, abordagem e muito menos terapia, é visível a eficácia terapêutica nas pessoas que passam pelo processo da constelação. A partir do contato com a filosofia sistêmica e o trabalho vivencial da constelação familiar, a pessoa amplia a consciência a respeito de suas questões pessoais e muda a imagem interna que possui sobre sua família e seu papel dentro desta família.

A Importância do Pai e da Mãe e as lições que vêm deles

                
     
A família tem sido alvo de estudos das mais diversas linhas: terapêutica, filosófica, religiosa, antropológica, etc. Diversas teorias surgiram ao longo destes anos, e algumas delas se contradizem, trazendo confusão e dúvidas. Uma coisa é certa: Pai e Mãe tem influência total sobre os filhos, seja consciente ou inconscientemente, através da estrutura psicológica, ou da genética.

       Dentro da visão sistêmica de Bert Hellinger, a questão “Pais” é muito simples: Eles deram a vida a seus filhos. São as pessoas que a Vida (esta energia criadora da qual ainda pouco se compreende) escolheu para que você recebesse um corpo físico e pudesse realizar seu propósito na Terra. Portanto, todo o resto faz parte do seu aprendizado, daquilo que você se propôs a aprender, realizar e cumprir. Esta é ideia básica quando falamos em “pais e filhos” dentro da constelação familiar.

     “Ao dar a vida aos filhos [...] os pais dão-lhes, com a vida, a si mesmos, tais como são, sem acréscimo e sem exclusão. E por esta razão os filhos [...] não somente têm os seus pais, mas eles são seus pais.” (Bert Hellinger, 2008, p.36)

     Sophie Hellinger fala em seus seminários sobre os “acordos” que se faz com os pais antes de nascer. Por exemplo: se alguém se propõe a aprender a lidar com a rejeição e se amar, talvez ela “faça um acordo” com a pessoa que será sua mãe, para que esta a deixe num orfanato, ou que, de alguma forma não esteja presente em sua vida.  Este tipo de pensamento mostra o quanto a constelação possui um caráter filosófico, aonde as ideias vão além dos conceitos puramente materiais que a ciência atual pode explicar.

      Se continuar a seguir a linha de pensamento de Sophie, neste exemplo, esta mãe cumpriu seu papel e, portanto, a pessoa abandonada pode ser grata a ela, pois foi através deste “acordo cumprido” que pôde entrar em contato com as experiências, mesmo dolorosas, que fizeram sua alma crescer e aprender a amar a si mesmo, realizando assim o seu propósito.
               
Crianças Difíceis

“Nenhuma criança é difícil. O sistema é difícil. Algo em sua família encontra-se fora de ordem”.

   Existe algo que Bert Hellinger chama de “amor cego”, este é um amor que traz emaranhados sistêmicos. Ou seja, o filho, por amar seus pais em sua alma, não aguenta o sofrimento dos pais, então os imita como se quisesse dividir a “carga”. Por exemplo, se a mãe está deprimida, ou se o pai bebe demais, os filhos se sentem pressionados a encontrar alguma maneira de igualar o sofrimento, talvez fracassando na vida. Quando a dor dos pais é cegamente equilibrada pela dor dos filhos, vai passando de pessoa a pessoa, de geração em geração, perpetuando assim o sofrimento ao invés de curá-lo.

   A dinâmica oculta nas crianças difíceis é que quando um sistema familiar possui uma carga opressiva, algo que os demais membros da família negam ou excluem, esta criança, com um “amor cego” inclui novamente no sistema aquilo que foi excluído por todos. O que ajuda os pais nesta situação? Quando reconhecem o seu destino e também o destino do filho como um movimento da consciência sistêmica que os conduz. Este destino é mais do que um destino apenas individual e pessoal. Vai muito além da família em questão, alcançando assim também o seu entorno, atuando de modo curativo. Torna-os modestos e humildes, envolvendo-os com uma solidariedade amorosa e humana.

Pai Ausente e suas consequências

“Se eu como filho não posso tomar meu pai, então estarei perdido e não poderei sustentar nenhuma relação duradoura, nem alcançar o êxito.” Bert Hellinger

   Atualmente se fala muito a respeito do “Pai Ausente”: aquele que abandona a mãe com o filho e nunca mais volta; ou então, o que se separou da mãe e constituiu nova família; ou ainda o “pai ausente” porque não assumiu o filho. E por aí segue. Porém, se verificar a história da humanidade, a ausência da figura paterna é muito antiga, apenas mudando o enredo.

  Esta é uma geração pós-guerra, com netos e talvez bisnetos dos guerrilheiros. Quantos homens foram perdidos na guerra? Quantos pais ausentes? E os filhos que ficaram sem estes pais não puderam muitas vezes nem chorar esta perda, porque eles tinham que trabalhar para comer, ajudar a mãe, os irmãos, ou mesmo fugir para sobreviver. Esses mesmos “filhos sem pai” agora se tornaram pais, mas, inconscientemente não olham para seus filhos, porque sua alma ainda busca pelo pai perdido. Assim o ciclo de Pai Ausente se perpetua e se repete nas gerações. Bert Hellinger vai além da história, ele questiona: “quem é a pessoa mais excluída nas famílias? O pai”.

   Dentro do trabalho das constelações, o Pai é aquele que direciona o filho para o mundo. Enquanto a mãe traz o alimento, a nutrição, o amor; o pai é o sucesso, realização, plenitude, autoridade, firmeza, é o “não” que muitas vezes é difícil de dizer, é independência. Sua ausência pode causar vários emaranhados sistêmicos, porém os principais estão relacionados aos vícios de todos os tipos. Inclusive Bert diz que aqueles profissionais que trabalham em organizações de ajuda a adictos, somente podem auxiliar quando dentro de si, a figura pai está resolvida.

O que faz os filhos felizes?

   Bert Hellinger responde: “Quando os pais são felizes com os filhos. E como isso acontece? Quando no filho respeitam, amam e concordam com o outro membro do casal. Se fala muito de amor, mas qual é modo mais bonito de amar? Quando me alegro com o outro exatamente como ele é”.

   O seu amor ao filho como pais apenas continua e coroa seu amor como casal, porque este vem antes daquele.  Então quando o amor recíproco dos parceiros flui do fundo do coração, também flui do fundo do coração o seu amor de pais pelo filho. Tudo o que o homem e a mulher admiram e amam em si mesmos e no parceiro, também admiram e amam nos filhos. E tudo que os irrita e incomoda em si mesmos e no parceiro, também os irrita e incomoda no filho. (Bert Hellinger, 2008, p.43)

  Se um dos pais passar, direta ou indiretamente, esta mensagem ao filho: “não seja como seu pai/mãe”, o filho em geral seguirá este genitor excluído, como uma lealdade sistêmica. Isso se demonstra muitas vezes quando o filho repete comportamentos do genitor excluído. Por exemplo, se a mulher se casa com um homem alcóolatra, e esta teme que seu filho se torne igual ao pai, qual seria a solução? Olhar internamente para este filho e dizer: “aceito que você se torne alcóolatra como seu pai”.

Movimento Interrompido aos Pais

    Em muitas famílias a criança é separada precocemente da mãe, quando, por exemplo, precisa ir ao hospital e a mãe não pode visitá-la. Às vezes também ocorre uma separação imediatamente após o nascimento, quando, por exemplo, a criança nasce prematura e precisa ficar na incubadora. No caso de cesariana ocorre igualmente uma separação precoce.

     A criança sente a separação como uma grande dor. Ela se modifica após este evento, pois a dor se transforma em raiva ou desespero. Quando a mãe retorna, a criança afasta a mãe de si, pois se lembra da dor que sentiu. Assim, talvez, a mãe acredite ter falhado de algum modo e igualmente se retrai. Desta forma, os dois permanecem separados.

  Tal fato pode ter influência ao longo da vida. Quando ocorreu um movimento interrompido, principalmente em relação à mãe, por vezes também em relação ao pai, mais tarde a criança não se aproxima mais das outras pessoas. Sente medo da proximidade. Sempre que se aproxima de alguém se lembra da dor passada e interrompe o movimento de aproximação. Retrai-se, dá um passo para o lado, afasta-se, volta para o ponto de partida sem realmente ir adiante ou se aproximar. 

    Qual a solução neste caso? Retorna-se para a situação onde o movimento foi interrompido e o conclui. Isso pode acontecer através de um representante para esta mãe. Este representante (que pode ser um terapeuta) recebe a criança em seus braços e não larga. Quando ele desejar afastar-se, o representante o segura ainda mais forte, até que se acalme e relaxe em seus braços. Existe um trabalho chamado "abraço de contenção", onde o objetivo é muito semelhante. Muitas crianças hiperativas se tornam mais tranquilas com o abraço e contenção.

Referências Bibliográficas

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HELLINGER, Bert. As Ordens do Amor. São Paulo: Cultrix, 2001
HELLINGER, Bert. A Simetria Oculta do Amor. São Paulo: Cultrix, 1998
HELLINGER, Bert. Felicidad que Permanece. Barcelona: Rigden Institut Gestalt, 2006
HERMOSILLO, Rosa Doring. Constelaciones Familiares y Abrazo de Constención. México: Gudiño Cícero S.A., 2007
RUPERT, Franz. Simbiose e Autonomia nos Relacionamentos. São Paulo: Cultrix, 2010