sexta-feira, 8 de junho de 2018

OS MORTOS NAS CONSTELAÇÕES FAMILIARES




“Vida e morte se penetram reciprocamente. Só podemos viver se sabemos da presença da morte e com ela estamos em harmonia”. Bert Hellinger

                Muitos de nossos problemas têm a ver com os mortos do nosso sistema familiar. Eles nos influenciam e talvez nós também os influenciamos. Quando algo em relação aos mortos da nossa família ainda se encontra sem solução, isso acaba atuando de modo perturbador no presente. Nesse sentido encontramo-nos presos ao passado, ao invés de olharmos para o futuro.
                Como o luto em relação aos mortos tem mais êxito? Quando agradecemos os mesmos. Quando olhamos para as coisas boas que deles recebemos e dizemos: “eu sou grato, conservo o que você me deu e em sua memória farei algo de bom com isso”. De repente os mortos podem libertar-se, pois aquilo que nos deram continua atuando, isto é, realizaram o seu objetivo. O luto alcança seu objetivo quando nos entregamos à dor e, através dela, respeitamos e honramos os mortos. Pelo contrário, quem mantém o luto por muito tempo segura os mortos, embora eles queiram ir.
                Esta é uma forma. Porém, muitos ainda estão zangados com os mortos, ressentem-se deles. Muitos clientes que nos procuram ressentem-se de seus pais, embora talvez já estejam mortos há muito tempo. Dessa forma os vivos continuam ligados aos mortos e talvez os próprios mortos também não estejam em paz, pois nós os seguramos através de nossas expectativas e exigências. Qual a solução aqui? É dizer: “não importa o que tenha acontecido, foi precioso para mim”. Aquilo que foi, independente do que foi, torna-se uma força a nosso favor à medida que concordamos. Torna-se um peso apenas quando o rejeitamos.
                Mas, algumas vezes, sentimos que cometemos tamanha injustiça em relação a eles, que causamos danos irreparáveis, talvez até nos sintamos culpados em relação a sua morte. Como lidamos com isso? Dizendo: “sei o quanto a culpa me pesa, mas mesmo assim fico com ela. Não farei nenhuma tentativa de me livrar dela, como por exemplo, através de uma expiação. Por ficar com ela, possuo uma força especial e por isso farei algo de bom através dessa força, em sua memória”. Assim esses mortos podem ficar em paz conosco. E nós também ficamos em paz.
                Na maioria das constelações trata-se, de uma forma ou de outra, da vida e da morte. Dificilmente se encontra uma família onde a morte não tenha arrebatado um membro mais cedo do que julgamos ser justo. Despedir-se dos mortos de um modo digno e consciente é extremamente importante para a saúde de nossa alma. Isso se percebe também pela energia e pelo esforço que se despendem na guerra para abrigar e sepultar dignamente os mortos. Isso é compreensível pelo lado dos vivos; mas que também os mortos necessitam que os vivos saibam de sua morte e se despeçam deles é algo difícil de entender, pois nada sabemos sobre os mortos.
                Entretanto, nas constelações eles são representados por pessoas vivas, elas não podem representá-los em sua realidade, como mortos, mas podem representá-los em seus efeitos sobre a alma dos vivos e os mortos, mesmo para além da morte. Pelo comportamento muitas vezes surpreendente dos representantes dos mortos e pela força que deles provém, em muitas constelações, podemos apenas pressentir que aí atuam forças mais poderosas do que podemos imaginar com a nossa maneira habitual de considerar os mortos.
                Despedidas entre vivos e mortos, que não puderam acontecer na realidade, podem ser resgatados pelas constelações. Com a morte, o processo de morrer ainda não cessa. Morrer é um processo longo e para alguns leva um longo tempo até que encontrem paz. Leva mais tempo para os agressores. Quando olhamos para isso de forma mais ampla, vemos que ele é a vítima que mais sofreu e que mais precisa sofrer. O agressor só encontra paz quando está deitado ao lado das vítimas mortas. Mas ele não pode ir até lá por conta própria. Somente quando as vítimas lhe dão um lugar junto a elas, pode ir até elas.
                No decorrer dos anos, no trabalho com as constelações familiares tornou-se cada vez mais claro que entre os sobreviventes e os mortos, bem como entre os perpetradores e suas vítimas, se estabelece um vínculo profundo, que ultrapassa os diretamente atingidos e se estende aos descendentes deles. Por exemplo, soldados que voltaram da guerra sentem-se, de modo especial, ligados aos seus companheiros mortos e também, da mesma forma, aos inimigos que mataram. Em consequência, descendentes de soldados que sobreviveram voltam-se para os companheiros e inimigos mortos de seus pais e avós, querem colocar-se ou deitar-se ao seu lado e sentem um desejo, na aparência surpreendente, de morrer ou também, às vezes, de matar-se. Eles estão apenas assumindo o desejo inconsciente ou reprimido de seus pais e avós, de estar com seus camaradas e inimigos mortos.
               

vida e morte


                A vida vem de longe e nós não sabemos onde é a sua nascente. Ela flui de longe para nós. Ela vem da origem, nos toma, nos usa, nos toma a serviço e nos deixa cair de volta à origem, seja ela qual for. A alma conhece a origem e a procedência da vida. E ela tem uma ânsia de voltar à origem – depois de um tempo. Assim como a vida nos captura, sentimo-nos carregados por ela e sabemos, ao mesmo tempo, que ela está suspensa por um fio de seda. Esse fio se rompe depois de algum tempo – e nós submergimos de volta à origem.
                A alma não tem medo desse movimento. O eu, às vezes tem medo. Quem está em harmonia com esse movimento, comporta-se de acordo com aquilo que apoia a vida. Pois a vida, quando nos captura, exige de nós também a aceitação desse movimento. Assim, estamos tanto em harmonia com a vida como também com o fim, quando chega a hora.
                Na alma existe uma atração em direção aos mortos e ao morrer. Esse é um movimento muito suave e profundo. Todo movimento da vida é, pois, um movimento para lá de onde ela emergiu. Às vezes, vem desse movimento, do ir com ele, algo como um vento ascendente, como uma corrente térmica que eleva. Pois, alguns vão muito cedo com esse movimento. Vão para a morte antes do tempo, e isso é ruim.
                Existe um tempo e uma ordem adequados para esse movimento à vida e, então, de volta à origem. Existem alguns que renunciam à vida antes do tempo, quando o movimento ainda não está realizado. Se, por exemplo, uma criança perde cedo um de seus pais, então tem a ânsia de ir para o pai ou para a mãe ou, também, para um irmão que morreu precocemente. Ela acha que se ceder a esse movimento os reencontrará. Essa é uma ideia infantil. A solução seria reencontrar o caminho de regresso ao grande contexto e deixar-se recapturar e carregar pela vida, tanto quanto a vida queira e permita. Então, se está em harmonia.
                A morte é maior que a vida. O reino dos mortos é o maior reino e é aquilo que permanece. A vida é algo transitório, algo que emerge e torna a submergir. O grande é aquilo de onde emerge a vida, e onde ela mergulha e torna a submergir. Quando morremos passamos a um outro estado do qual nada sabemos. Por isso, para mim, a vida tampouco pode ser o máximo ou o maior. Aquilo de onde a vida emerge tem de ser maior que a vida.


Trechos adaptados de Bert Hellinger em seu livro A Fonte não Precisa Perguntar pelo Caminho