Primeiro
círculo: Os pais

Meditação
sobre o primeiro círculo do amor
Fecho
os olhos e volto à minha infância. Contemplo o início de minha vida. O início
foi o amor de meus pais como homem e mulher. Eles foram atraídos um pelo outro
por um forte instinto, por algo poderoso que atuou por trás deles. Contemplo
essa força que os uniu e me curvo diante dela. Contemplo como meus pais se
uniram e como resultei de sua união, com gratidão e amor.
Depois
meus pais me aguardaram, com esperança e também com receio, esperando que tudo
corresse bem. Minha mãe me deu à luz, com dores. Meus pais se contemplaram e se
admiraram: “É essa a nossa criança?" Então disseram: “Sim, você é a nossa
criança, e nós somos seus pais”. Eles me deram um nome, deram-me seu sobrenome
e disseram por toda parte: “Este é o nosso filho". Desde então pertenço a
essa família. Eu tomo minha vida como membro dessa família.
A
despeito de todas as dificuldades que ocorreram, sobretudo em minha infância, a
vida em si não sofreu dano. Essas dificuldades podem exigir muito de mim.
Quando, porém, contemplo tudo o que pesou - por exemplo, ter sido entregue a
outras pessoas ou não ter conhecido o meu pai - eu digo sim a isso, da maneira
como aconteceu, e com isso recebo uma força especial. Então encaro meus pais e
digo: “O essencial eu recebi de vocês. Eu reconheço tudo o mais que vocês
fizeram, seja o que for, mesmo que tenha envolvido alguma culpa. Eu reconheço
que isso também pertence à minha vida e concordo com isso”.
Sinto,
em meu interior, que sou os meus pais, que os conheço por dentro. Posso me
imaginar, por exemplo: onde em mim eu sinto a minha, mãe? Onde em mim eu sinto
o meu pai? Dos dois, quem está mais em evidência e quem está mais escondido?
Permito que ambos fiquem em evidência, encontrem-se e se juntem em mim, como
meu pai e minha mãe. Em mim eles permanecerão sempre juntos. Posso alegrar-me
com isso. Eu os tenho realmente em mim.
Seja
o que for que tenha acontecido em minha infância, digo sim a isso. Afinal, tudo
se ajeitou. Isso me fez crescer. Além de meus pais, muitas pessoas me ajudaram.
Quando meus pais não estavam disponíveis, de repente havia um professor ou uma
tia em seu lugar. Ou então alguém na rua me perguntou: “O que h| com você,
criança?” Essa pessoa cuidou de mim, levou-me talvez de volta para casa. Eu
tomo todas essas pessoas, junto com meus pais, em meu coração e em minha alma.
De repente, sinto em mim uma grande plenitude. Quando tomo tudo isso com amor,
sinto-me inteiro e em harmonia. Esse amor está em mim e se desenvolve em mim.
O
segundo círculo do amor: Infância e puberdade
O
segundo círculo do amor é a infância. Tudo que os pais me deram, os cuidados
que tiveram por mim, dia e noite, perguntando-se: “De que a criança está
precisando?”, tudo isso eu recebo deles com amor. Pois é incrível quanto de bom
os pais dão a seus filhos. Os pais sabem o que isso lhes custou e o que
significa para eles. Eu reconheço isso. Tudo o que aconteceu em minha infância
eu aceito agora - inclusive que meus pais não tenham visto alguma coisa, que
tenham cometido erros ou que algo de insano tenha acontecido. Tudo isso faz
parte. Na medida em que me defronto com esse monte de desafios e também com o
sofrimento, a dor e a necessidade de me afirmar, na medida em que aceito e
assumo isso, eu cresço.
A
criança procura evitar, às vezes, tomar e agradecer, tornando-se ela própria
uma doadora. Porém, muitas vezes, ela dá algo errado ou dá em excesso: por
exemplo, quando pretende assumir por seus pais algo que não lhe compete como
criança. A
criança tem, às vezes, dificuldade em receber, porque o que vem dos pais é tão
grande que a criança não pode retribuir na mesma medida. Então ela prefere
tomar menos, para que não tenha de retribuir tanto.
Observei isso em centenas de constelações, em muitas
variações. Os filhos não podem suportar o desnível que sentem em relação aos
seus pais, principalmente quando não sabem que a verdadeira compensação do que
receberam dos pais consiste em transmitir isso a outros - especialmente, mais
tarde, aos próprios filhos. A sensação de não poderem retribuir é um dos
motivos que impelem os filhos a deixar a casa de seus pais.
Muitas vezes, os adolescentes recorrem a recriminações para
adquirirem o direito de separar-se dos pais. Porém, quando os filhos percebem
que é possível compensar, transmitindo a outros o que receberam e que é imperiosa
a necessidade de compensar dessa maneira, eles conseguem separar-se dos pais
sem necessidade de críticas. Aprendem como lidar com o que receberam e aprendem
o que podem fazer com isso. A vantagem dessa atitude é que não precisam negar
nada do que receberam dos pais. Podem tomar tudo, porque sabem que o
repassarão.
Tomando pouco, fazendo recriminações, rejeitando o amor dos
pais, viabilizo a separação, mas ela acontece de uma forma que empobrece a
todos. É tomando que cresço como filho.
Quando eu tomo muito, isso me custa muito, porque não posso
conservá-lo. Então, também sinto a necessidade de passar adiante, e isso é
“caro”, porque custa mais. Aí também existe mais. Eles se separam, os pais e os filhos. Muitos
não sabem que existe uma forma de compensar que atravessa gerações. Quando
alguém percebe que não precisa retribuir tanto aos pais, mas pode mais tarde
repassar isso a outros, fica aliviado em sua alma. Então os filhos podem dizer
aos pais: “Vocês podem me dar, eu tomo tudo”.
Somente quando percorri totalmente esse segundo círculo do
amor é que estou pronto para uma relação conjugal confiável. Dificuldades e
problemas nos relacionamentos ulteriores resultam, em sua maioria, de não terem
sido completados os dois primeiros círculos do amor. Então precisamos retomar e
resgatar o que faltou.
Meditação sobre o segundo círculo do amor
Fecho os olhos e me recolho. Passo a passo, como se desce os
degraus de uma escada, retorno à minha infância. Passo a passo. Talvez eu
encontre situações onde sinto uma dor ou fico intranquilo. Espero nesse ponto,
até que surja uma imagem do que aconteceu nessa época. Muitos traumas da
primeira infância estão associados a situações em que fomos deixados sós ou não
conseguimos chegar aonde queríamos ou precisávamos.
Agora imagino essa criança, que sou eu mesmo, e olho para
minha mãe. Sinto meu amor por ela e o impulso de aproximar-me dela. Olho em
seus olhos e lhe digo simplesmente: “Eu lhe peço!”. Algo se movimenta na
fantasia interior, tanto na mãe quanto em mim mesmo. Talvez ela dê um passo em
minha direção, e eu ouse dar um passo para perto dela. Entro nessa vivência,
até que interiormente chego a meu objetivo e relaxo nos braços de minha mãe.
Então olho para ela e digo: “Agradeço!”
Isto é um processo interno, porém não se deve fazer muito de
uma só vez. Já na primeira vez algo se solta na alma. No dia seguinte posso
repetir o processo. De novo desço as escadas, de volta à infância, e chego
talvez a uma situação ainda mais antiga. Experimento, talvez, de novo o
movimento em direção à minha mãe.
Depois de alguns dias, repito o processo - até que, por assim
dizer, esteja totalmente com minha mãe.
Tudo aquilo que deploro eu excluo. Tudo aquilo que recrimino
eu excluo. Toda pessoa de quem tenho raiva eu excluo. Toda situação em que me
sinto culpado eu excluo. Assim vou me tornando cada vez mais pobre.
O caminho oposto seria o seguinte:
Tudo aquilo que lamento, eu encaro e digo: sim, assim foi, e
coloco isso dentro de mim, com todo o desafio que me faz. Eu lhe digo: “Agora
vou fazer algo com você. Vou tomar você como meu amigo ou como minha amiga” -
seja o que for.
Tudo aquilo que me levou a acusar alguém, eu encaro e digo:
“Sim. Olho-me para ver como posso receber de outra forma o que ficou perdido
para mim. Vejo que força eu tenho para fazer isso sozinho, sem pedir ajuda a
outro. Então tomo essa situação para dentro de mim, e ela se torna uma força. O
mesmo vale para culpas pessoais, que são aquilo que mais queremos excluir e
rejeitar. Olho para elas e digo: “Sim.” A culpa tem consequências. Eu as aceito
e faço algo com elas. Assim, a culpa se torna uma força, e eu também cresço.
Quando tomo para mim o que rejeitei, o que me causou dor,
fez-me sentir culpado ou injustiçado, seja o que for, nem tudo entra em mim.
Algo permanece fora. Eu digo sim a tudo, mas o que entra em mim é somente a
força. O resto fica simplesmente fora, não me infecciona: pelo contrário,
desinfeta-me e purifica.
Assim
posso imaginar que meus pais dizem sim ao que lhes pesa. Isso pertence a eles,
inclusive seus enredamentos, que encaro de uma certa distância, de uma posição
inferior - como uma criança. Deixo que meus pais permaneçam completamente como
meus pais. Não preciso assumir por eles nada que lhes pertença exclusivamente.
Tudo isso permanece fora de mim, porque pode ficar com eles.
Terceiro
círculo: Dar e tomar
O
adulto consegue igualmente dar e tomar.
Tomar
o amor, como uma pessoa entre outras, tem grandeza. Quando posso tomar dessa
forma, também posso dar. O dar começa com o correto tomar.
Nas
relações adultas é importante que cada pessoa possa, de algum modo, tomar da
outra. Essa é a compensação mais importante. Não é preciso que ambas deem na
mesma medida, mas que tomem para si na mesma medida. O ato de tomar
reciprocamente é o mais difícil. Ele une mais profundamente, pois ambos estão
na posição de quem necessita. Isso une.
A
maioria das pessoas dão na expectativa de receber e, sobretudo, eles tem pouco
respeito pelas outras pessoas, pois se consideram melhores e permanecem numa
posição de superioridade.
Trata-se
de tomar, valorizando o que se toma. Essa é a arte.
Quando alguém me dá alguma coisa, ele me deseja algo de bom.
Eu o tomo assim, porque me é dado por ele. Nesse momento tudo o que ele dá se
toma valioso. Aquilo se transforma e, de repente, eu percebo: “Ah, isso também
tem para mim algo de belo”. É nisso que consiste o tomar.
Como pessoas adultas, devemos dar sem esperar receber do
outro algo que ele não pode dar-nos. Essa atitude nos dá força para nos
tornarmos pais ou mães. Nela, o tomar se completa e começa a transmissão, o
intercâmbio entre as gerações. Este é o terceiro círculo.
Quando ambos, o homem e a mulher, tomaram totalmente seus
pais e se tornaram um casal, eles deixam fluir aquilo que veio de seus pais.
Então se dão reciprocamente, a partir dessa plenitude, mas a experiência mostra
que isso nem sempre se consegue.
Meditação sobre o terceiro círculo do amor
Coloco-me diante de meu parceiro e olho primeiro para a
direita, para os meus pais. Vivencio, mais uma vez, o processo de tomar o amor
de meus pais. Meu parceiro está diante de mim. Por sua vez, ele também olha
primeiro para a direita, para seus pais, c vivência de novo o processo de tomar
o amor de seus pais. Depois de olhar para meus pais e também para meus
ancestrais, olho para os pais do parceiro e para os seus ancestrais. Vejo tudo
o que eles lhe deram, e como ele se enriqueceu com isso. De repente, algo muda
em nossa relação, pois meu parceiro me aparece de uma outra maneira, e o amor
de seus pais também se manifesta nele.
Ao mesmo tempo, vejo também o lado difícil que lhe pesou, o
que lhe aconteceu. Vejo isso como algo que ele toma para si, como uma força, e
o que parecia tão pesado permanece fora. O mesmo faço com o que é pesado para
mim. Então nos olhamos de novo nos olhos. Eu lhe digo: sim. E ele me diz: sim.
Ambos nos dizemos mutuamente que agora estamos prontos um para o outro.
Segunda meditação sobre o terceiro círculo do amor
Mais tarde o casal recebe uma criança. A mulher recebe a
criança do marido, e o marido recebe a criança da mulher. Ambos dizem: “Nossa
criança”. Eles se veem nela como partes de um todo maior. Eles são sempre
apenas uma parte da criança e se exercitam para ver em tudo também o parceiro,
e para aceitá-lo em tudo.
Olho para essa criança, a nossa criança. Atrás dela vejo meu
parceiro e tudo o que há de especial na família dele. Vejo tudo o que nela é
diferente de minha família e o tomo, como igualmente válido, em meu coração.
Nesse momento a criança tem o mesmo valor para ambos e pode unir-se da mesma
forma a ambos os pais. Cada parceiro diz ao outro: “Esta é a nossa criança: tem
a sua parte, como pai (mãe), e a minha parte como mãe (pai). Assim se enriquece
a criança e a relação.
Separações acontecem, via de regra, quando um parceiro se
retira para sua família de origem. Ele retoma por não ter tomado alguma coisa
ou, talvez, por ter-se intrometido, não deixando com os seus pais o destino que
lhes toca.
Muitas separações advêm porque um dos parceiros se
decepciona. As expectativas que tenho em relação ao meu parceiro são
frequentemente as mesmas que, em criança, eu tinha em relação aos meus pais.
Agora espero que o meu parceiro as satisfaça, mas ele não as satisfaz e também
não pode satisfazê-las. Então me decepciono com ele e separo-me, por causa
disso. Esse é um dos padrões de separação. Nesse particular é útil exercitar-me
primeiro em realmente tomar os meus pais. Então, já não preciso esperar isso do
meu parceiro. Nossa relação fica mais sóbria.
Há, contudo, mais alguma coisa que pode levar a separações.
Existe um crescimento pessoal, um destino pessoal. Talvez um dos parceiros
esteja vivendo uma evolução importante para ele, e o outro parceiro sinta que o
seu próprio caminho não é o mesmo. Então cada um concorda com o caminho do
parceiro e com o seu próprio caminho e ambos se permitem segui- lo. Algumas
vezes isso também pode ser um motivo de separação, mas essa é uma separação com
amor. Os parceiros podem se dizer reciprocamente: “Eu amo você e amo o que me
conduz e o que conduz você”. Esta é uma frase profunda. A separação, quando
ocorre, é mais fácil para ambos. Muitas vezes, porém, somente um dos parceiros a
diz, e o outro se opõe. Então um diz ao outro: “Meu crescimento pede isso de
você”.
Dos filhos, não. Aos filhos a gente diz: “Ficarei sempre com
vocês.” Um crescimento separado dos filhos não pode ser um verdadeiro
crescimento. Isso só ocorre em casos muito excepcionais. A gente pode dizer a
eles: “Peço que aceitem minha separação de sua mãe - ou de seu pai -, mas ambos
estaremos sempre presentes para vocês”. Isso é difícil para os filhos, mas é
uma possibilidade de crescimento para todos, se é feito dessa maneira. E todos
permanecem unidos.
Quarto e quinto círculos do amor: Concordar com todos os
seres humanos e com o mundo
O quarto círculo ultrapassa os limites da consciência. Nele
eu concordo com todas as pessoas de minha família como elas são, inclusive os
excluídos e os difamados. Aqui se trata da plenitude interna, isto é, todos os
que pertencem à minha família ganham um lugar em minha alma, inclusive os que foram rejeitados, desprezados e esquecidos. Sem eles eu me sentia incompleto, no corpo e na alma. Somente quando os incluo em minha alma e em meu amor é que me sinto pleno e inteiro.

O quinto círculo do amor se dirige à humanidade, ao mundo,
enquanto tal. Aqui se trata de concordar com o mundo como ele é. Isso diz
respeito à capacidade de reconciliação entre os povos, por exemplo. Este é o
amor universal, que sabe que somos movidos por poderes superiores.
Para mim, todos os seres humanos são bons. Cada um é apenas
da maneira como pode ser. Ninguém pode ser diferente do que é, em sua situação.
Por isso, trato a todos com o mesmo respeito. Essa atitude, esse modo de
proceder é uma realização da própria alma. Ninguém pode dispensar o outro dessa
realização. Muitos que buscam ajuda querem tê-la sem realização pessoal, mas
quando sentem quanta alegria essa realização lhes proporciona, essa compreensão
lhes abre novas possibilidades de se moverem na vida. Isso sempre passa por uma
compreensão. A emoção do amor tem pouca compreensão. Quando fico estacionado
nessa emoção, pouca coisa acontece, fico amarrado. No quarto e no quinto
círculos do amor ultrapasso essa estreiteza e atinjo um nível espiritual.
Trecho extraído do livro Um Lugar para os Excluídos de Bert Hellinger