segunda-feira, 13 de março de 2017

UM NOVO OLHAR PARA A INFÂNCIA


           

     Poucas pessoas estabelecem a conexão entre seus pais e seus conflitos na vida adulta. Elas resistem em admitir que sua relação com seus pais e até sua infância exerce uma poderosa influência sobre sua vida.

   Para se tornar um adulto saudável, é preciso encerrar a própria infância. Em princípio, é possível encerrar a própria infância quando a criança interior dividida, e até carente, acolhe a si mesma. Quando suas necessidades infantis são aceitas, essas partes proporcionam à pessoa, como recompensa, também sua alegria de viver infantil original.

“A coisa mais valiosa que os filhos recebem dos pais – não importa quem estes sejam ou o que possam tem feito – é a oportunidade de viver”. Bert Hellinger


Criança Ferida e Criança Saudável


           Quando você era criança, sempre que valorizavam, apoiavam e confiavam em você, você conseguia passar pelo processo de aprendizado com mais probabilidades de êxito. Isso também o ajudou a construir uma boa imagem de si mesmo, que ficou impressa em sua memória celular, se tornou parte de sua mente e se converteu em sua criança interior saudável.

          Da mesma forma acontece com memórias de feridas ou lesões à dignidade e integridade quando se passa por algum tipo de abuso (ridicularização, negligência, humilhação, traição, bofetadas, abusos sexuais, etc.). Neste último caso, alguns mecanismos de defesa foram necessários para o equilíbrio e sobrevivência, mas que levam a bloqueios, a reduzir nossa capacidade de aprender novas formas de atuar e a gerar enfermidades. Esta é a criança ferida ou traumatizada.

              Algumas defesas mais comuns são: negação (isto não está realmente acontecendo), repressão (isso nunca aconteceu), dissociação (não me lembro do que aconteceu), projeção (está acontecendo com você e não comigo), conversão (como compulsivamente ou faço amor compulsivamente quando sinto que está acontecendo), minimização (ocorreu, mas não foi tão grave).

             Franz Ruppert, criador do trabalho de constelação de traumas psíquicos, diz que “em algumas pessoas existem três divisões da psique”. A Parte Traumatizada: que permanece presa aos traumas, aos medos e às dores da experiência traumática. A Parte de Sobrevivência: que procura afastar da consciência a terrível experiência, para sobreviver ao choque (aqui entram os mecanismos de defesa citados acima). A parte Saudável: que se desenvolveu de modo sadio até a experiência traumática, e que pode voltar a ser saudável.

         Quanto mais traumatizado está alguém, mais ele dirige suas atividades psíquicas para o exterior, porque o contato com o interior é doloroso demais. Aí existem sentimentos muito pesados de medo, raiva, tristeza ou vergonha, com as quais a pessoa não quer entrar em contato. Esta postura faz com que a pessoa se afaste cada vez mais de si e perca o contato com seu centro interior.

       Dentro de uma família, traumas continuam porque os pais traumatizados “deixam como herança” a seus filhos suas estruturas psíquicas traumatizadas. A forma como isso acontece ainda é alvo de diversas pesquisas. Muitas vezes é possível perceber emaranhados sistêmicos de traumas não integrados das gerações anteriores.  Por exemplo, quem passou por guerras: às vezes os descendentes demonstram medos parecidos com seus antecessores, como medo da morte ou de que faltarão suprimentos, carências, e outros.

          Ao olhar para a sua história e seus sentimentos, é possível descobrir a pessoa que realmente é e aprender a dar-lhe o que se necessita. Isso se estiver disposto a lidar emocionalmente com a verdade de sua infância, a abandonar a negação do sofrimento, a desenvolver empatia para com a criança que você era e também a compreender as razões de seus medos.

          Não importa quão ferido você foi durante a infância, sempre é possível curar a criança interior. Esta é uma maneira muito eficiente de se reconectar com seu verdadeiro Eu. À medida que as cisões internas provocadas pelos traumas vividos vão sendo integrados, se vive mais no aqui e agora. Somente no presente estamos no máximo de nossa força e no “adulto saudável”.  Bert Hellinger resume o “estar presente” com estas três palavras: força, concentração, ação.


Autonomia

                
           Autonomia derivado do grego, significa “ser para si a sua própria lei”. A verdadeira autonomia significa não precisar submeter-se a ninguém e ser capaz de seguir os próprios padrões internos.

     Há pessoas que, em decorrência de experiências desagradáveis no passado, não estão interiormente em condições de aproveitar as oportunidades que lhes são oferecidas para aumentar sua autonomia. Quem ainda sofre a dor de feridas antigas está aprisionado em si mesmo e não tem liberdade interior.

       A verdadeira autonomia consiste em poder dizer um “sim” incondicional a si mesmo e à realidade de sua própria vida e assumir a plena responsabilidade por ela, seja o que for que tenha acontecido.


O ASSENTIR, COMO LIBERAÇÃO E CURA DO PASSADO


   Bert Hellinger com as constelações familiares traz um conceito curador que é o “assentir”. O “assentir” pode-se traduzir em: “concordo que ele/isso seja exatamente como é”. Ao praticar este princípio na vida diária, tem-se a oportunidade de praticar a Ordem do Amor – Pertencimento, incluindo a tudo e a todos. Isso significa dizer, em outras palavras, que estou ressignificando minha história, dos meus ancestrais e seguindo em direção ao novo, ao meu destino e minha vida. Segue trecho de Bert a respeito desta postura.

            “Assentir a algo ou a alguém significa estar em “sintonia com”, e é uma experiência pessoal. A esta pessoa (ou situação) assentimos, independentemente se nos agrada, se nos dá algo ou nos tira, seja qual for sua exigência. Isso ou esta pessoa que eu assinto está a partir daí dentro de mim, faz parte do que eu sou. O assentimento exterior é consequência de um reconhecimento e um amor que previamente experimentei dentro de mim. Graças a este assentimento tanto eu quanto o outro nos enriquecemos e nos tornamos mais plenos.

             Assentimento quer dizer também, aceito o outro tal como é, sem restrições ou julgamentos. O que antes parecia estranho e ameaçador se transforma em uma parte minha que faltava. E isso acontece, sem o outro saber, a vibração do assentimento alcança a todos.  E como o assentimento produz este efeito? De onde vem esta força transformadora? Da sintonia com a fonte criadora, que move e pensa tudo como é, olhando a todos da mesma forma”.


MEDITAÇÃO PARA A CRIANÇA FERIDA – por Bert Hellinger

      Fechem os olhos e retornem à época onde causavam preocupações para seus pais ou adoeciam.          Olhem com amor para esta criança de deixem-se guiar por ela. Para onde esta criança olha? Para aquele no qual a família não está olhando. Dizemos à esta pessoa: “Olho para você com amor. Para mim você faz parte”.
     Então, talvez, olhamos para os nossos pais e dizemos a eles: “Estou olhando para alguém que amo. Por favor, olhem também comigo para lá”.
      E quem tiver filhos, talvez uma criança difícil, uma criança que os preocupa, que está doente, que tem acidentes. Olhem para o mesmo lugar que está criança está olhando – com amor.
     Talvez a criança esteja olhando para uma criança abortada ou para alguém que vocês rejeitam; para alguém que talvez tenha sido, em uma geração passada, vítima de um crime realizado por alguém da família, talvez crimes cometidos na guerra e a criança olha para isso. Ou então olha para alguém que a família rejeita, por se envergonhar. A criança olha para ele com amor, pois os outros se envergonham dele. Mas mesmo assim ele faz parte, assim como todos os outros.
     Agora olhamos para esta pessoa com amor, através do amor do espírito, que tomou todos a seu serviço, assim como são, sem distinção, pois os seus objetivos são mais amplos do que imaginamos. Vemos o efeito e o sentimos em nós. E sentimos como a criança talvez possa se acalmar, como se sente melhor.


Referências Bibliográficas e Sugestões de Leitura

BRADSHAW, John. Volta ao Lar. Rio de Janeiro: Rocco, 1995
HELLINGER, Bert. Mistica Cotidiana. Argentina: Alma Lepik, 2008
HELLINGER, Bert. As Ordens do Amor. São Paulo: Cultrix, 2001
MILLER, Alice. O Drama da Criança Bem Dotada. São Paulo: Summus, 1986
RUPERT, Franz. Simbiose e Autonomia nos Relacionamentos. São Paulo: Cultrix, 2010







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